Dando continuidade às reflexões sobre alguns temas complexos para nós, cristãos católicos, nesta Parte II abordo os assuntos Pena de morte, Eutanásia, Jejuns, Sacrifícios, e outros.
5.
PENA DE MORTE, EUTANÁSIA
A
pena de morte, embora legal em muitos países, e tolerada pela Santa Igreja, não
é legítima, nem humana, visto que pune um ser humano sem dar-lhe qualquer
chance de recuperação. E se a justiça que condenou alguém à morte falhar, não
há como se consertar o erro! E vítimas comprovadamente inocentes, já foram
condenadas e executadas, e muitas outras – só Deus sabe quantas! – devem ter
igualmente sido executadas sendo inocentes. As estatísticas não são favoráveis
à pena de morte: não há nada que comprove que sua existência tenha contribuído
para a diminuição dos crimes. Um outro argumento contra tal pena é o
reconhecimento de que a Sociedade tem culpa, é responsável, pela existência dos
criminosos: a falta de oportunidade de muitos, as discriminações racial e
social, a falta de educação básica de qualidade, a corrupção – que desvia
dinheiro que poderia ser aplicado na verdadeira educação da população – etc.
Esta parte na responsabilidade pelos crimes não autoriza a Sociedade a tomar
uma decisão drástica, radical, sem volta, como se a única responsabilidade
fosse do criminoso, por mais hediondo que seja o crime. Embora o Catecismo
atual da Igreja Católica seja tolerante com a pena de morte, há uma tendência,
na Igreja, de que seja modificado o texto relativo à pena de morte no
Catecismo, no sentido acima ponderado.
O
significado de Eutanásia é “boa-morte”. Alguns argumentam que pessoas em estado
terminal, por uma doença grave e irreversível, e que estão sofrendo, podem e
devem ser ajudadas a morrer, para que seu sofrimento seja aliviado. No entanto,
a vida é dom de Deus. Moralmente, ninguém tem o direito de tirar a vida de
outro ou a própria vida. Mesmo o sofrimento não justifica qualquer ação, ou
omissão, que leve um doente à morte. O sofrer é parte da vida humana. E se
hoje, tem-se um horror à dor e ao sofrimento, já é isto um efeito negativo do
hedonismo que atravessa a Sociedade atual: busque-se o prazer a todo custo; se
algo faz bem, dá prazer, pode e deve ser curtido... Ora, isto cria a base para
olhar-se para o sofrimento como algo que também deve ser evitado a todo custo!
No entanto, o sofrimento tem grande valor para o ser humano, tanto no aspecto
humano-social, tornando a pessoa mais madura e tolerante, quanto no campo
espiritual, tornando-a mais humilde, mais piedosa. A Igreja não aprova a
eutanásia, reconhecendo, no entanto, que a ortonásia é possível, entendido tal
processo como a não-obrigatória utilização de recursos complexos e dispendiosos
e que não contribuem para a recuperação ou para a melhoria do estado geral do
doente. Isto significa que aparelhos especiais não obrigatoriamente precisam
ser utilizados em um doente terminal, embora recursos como alimentação, soro e
similares não devam ser negados ao doente, sob pena de realizar-se a indesejada
ou não-recomendada eutanásia. ([1] 2276-2279)
O
jejum é uma grande arma na luta espiritual do cristão contra as tentações
demoníacas. O próprio Jesus deu a entender que o jejum tem este poder ao
iniciar a sua grande luta espiritual contra o mal no mundo, para a salvação da
humanidade, por meio de um longo período de jejum: os quarenta dias e quarenta
noites no deserto... Apesar de ser feito por meio do corpo, que se ressente da
falta de alimento, o jejum é verdadeiramente um eficaz exercício espiritual!
Fazendo o jejum, o cristão, pela graça de Deus, reúne mais forças espirituais
para lutar contra todas as suas fraquezas, suas tentações. Como diz S. Paulo:
“quando sou fraco, então é que sou forte”. Isto significa que quando o corpo
padece, o espírito fica mais livre, mais independente, mais disposto a valorizar
as “coisas do alto”. Ao contrário, a saciedade encontrada pelo exagero no comer
e no beber, e nos prazeres mundanos em geral, tornam o espírito humano como que
entorpecido, embriagado, drogado, enfraquecido para as coisas de Deus! O jejum
é, também, um ótimo exercício de autocontrole, virtude muito importante para
qualquer pessoa que deseja enfrentar a vida com sucesso. Por isto a Igreja
tanto preza o jejum e o recomenda durante a quaresma, período de exercícios
espirituais, sacrifícios e penitência.
Sacrificar-se
é, a exemplo de Jesus, doar-se pelo próximo, pela humanidade. O sacrifício é
tudo aquilo que se faz sem prazer. Comer uma verdura, como um tomate, sem que
se goste de tomate, é um sacrifício; visitar um doente, num ambiente que causa
repugnância, é um sacrifício. Enfim, toda ação que envolva algum grau de
desprazer pessoal é um sacrifício. Mas o sacrifício terá mais sentido se for
feito com a consciência de que é uma ação praticada em nome de Deus, pelo bem
dos irmãos, da família, dos amigos e da humanidade. Os sacrifícios têm seu maior valor quando
feitos com amor, na certeza de que isso contribui para o crescimento espiritual
da própria pessoa e de todos os que a cercam.
Deixar
de comer algo de que se gosta muito, como a carne ou uma gostosa moqueca
capixaba, é um ato de abstinência. Tal palavra vem do verbo abster-se,
significando deixar de fazer algo. A abstinência, como o jejum e os
sacrifícios, ajuda o cristão a crescer na sua fé e no amor a Deus e aos irmãos.
É um ato de amor e de nobreza, na medida em que, embora tendo o direito a algo
de bom, a pessoa desiste de usufruir desse bem. É uma forma de agregar valor às
orações oferecidas a Deus pelas nossas intenções. Orações feitas com um coração
sincero, já são valiosas, mas envolvidas pelas práticas do jejum, da
abstinência e de outros sacrifícios tornam-se ainda mais poderosas e agradáveis
a Deus.
No
início da era cristã os cristãos eram chamados de “santos”, tal era a
consciência de que todos somos chamados por Deus a ser santos: “Sede perfeitos
como vosso Pai que está nos Céus é perfeito”, já nos recomendava Jesus.
Santidade é a vocação de todo cristão! Somente sendo santos, poderão os
cristãos santificar o mundo. A Igreja é sacramento de salvação para o mundo,
realizando esta missão exatamente por meio dos cristãos que se santificam a
cada dia, na sua vida familiar, profissional e social. A santificação pessoal
de cada cristão se dá por meio da graça de Deus que é oferecida a ele em cada
momento de vivência dos sacramentos: da Penitência, da Eucaristia, da Unção dos
enfermos e dos demais sacramentos. Não há como santificar-se sem a graça que
vem dos sacramentos e sem a prática da oração valorizada pelos sacrifícios
pessoais.
Referências:
[1] Catecismo da Igreja Católica.
Edição típica vaticana, São Paulo, Loyola, 2000.
[2] MOSER, Antônio. Biotecnologia
e Bioética: para onde vamos? Petrópolis, Vozes, 2004.