quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

ENSINO, APRENDIZAGEM E AVALIAÇÃO NA ENGENHARIA

O texto abaixo visa a refletir sobre o processo ensino-aprendizagem nos cursos de engenharia, particularmente. Mas aplica-se a estudos de nível superior em qualquer área de estudo. É fruto de minha experiência como professor de engenharia há mais de 35 anos.


INTRODUÇÃO

O processo ensino-aprendizagem é algo muito complexo e exige, portanto, estratégias, igualmente complexas em sua aplicação. Pode-se iniciar a reflexão sobre a melhor estratégia tendo-se em vista que o termo ensino-aprendizagem denota um processo integrado, onde não há ensino, propriamente dito, sem a correspondente aprendizagem: não se “ensina”, simplesmente, embora se possa “aprender”, simplesmente...

O QUE É ENSINO-APRENDIZAGEM?

Entendemos, como o fazem os professores da área didático-pedagógica, em sua maioria, que não se sabe, exatamente, o que seja o ensino e como ele possa ocorrer, nem o que seja e como se dá, efetivamente, a aprendizagem. Daí denominar-se tal processo de ensino-aprendizagem, pois não se sabe, exatamente, onde termina um e começa a outra. Conclui-se daqui, que, provavelmente, por envolver pessoas, seres humanos, seres complexos, tais processos não possam ser simples, matemáticos, exatos, inequívocos, automáticos ou objetivos. Mas, ao contrário, tenham de ser, necessariamente, complexos, ambíguos, aproximados, subjetivos e resultados de esforços sérios e sinceros de ambas as partes: professor e aluno.

NAS CIÊNCIAS EXATAS

Nas ciências exatas (engenharias), como é o nosso caso, os professores somos tentados a ensinar automaticamente (considerando-nos, às vezes, sem muita consciência, os donos da verdade, porque ela é exata como 2 + 2 = 4). Então, segue-se, como consequência natural que o professor ensina, explica, justifica, e o aluno, sem necessidade de qualquer questionamento, deve aceitar a verdade matemática. O professor, portanto, ensina, e espera-se que o aluno, ao final de uma aula de duas horas deva ter aprendido, isto é, aceito e entendido, tudo aquilo que o professor apresentou. Conclui-se que, nas engenharias, o professor seja aquele que detém o conhecimento exato da verdade científica, e o aluno deva aceitá-lo passivamente. Daqui seguem-se as metodologias tradicionais que se perpetuam nas salas de aula: o professor fala e o aluno, passivamente, escuta. Não se prepara, desse modo, o verdadeiro profissional, pois este deverá ser ativo, crítico, participativo, capaz de falar abertamente e de explicar suas ideias para um grupo de pessoas de forma firme e convicta. Nossos alunos terminam o curso de engenharia, após cerca de cinco a seis anos de estudos individuais, solitários, passivos e inseguros, e se espera que se tornem, logo após a formatura, profissionais seguros e competentes.

NAS CIÊNCIAS HUMANAS

No caso das ciências humanas, parte-se do pressuposto de que o conhecimento deva ser buscado como esforço conjunto, em grupos, pois ninguém detém o conhecimento, ou pode ser considerado o dono da verdade. Lá, a tendência, ao contrário do que ocorre nas ciências exatas, é considerar o ensino-aprendizagem como um verdadeiro processo partilhado, que deve ser enriquecido pela participação de todos os envolvidos.

SOBRE A AVALIAÇÃO

Quanto ao aspecto da avaliação do processo ensino-aprendizagem, que é muito mais ampla do que uma simples aplicação de prova escrita, acreditam, educadores como Hamilton Werneck Sodré e Paulo Freire, que, nela, tudo deva ser ponderado: não devem ser avaliados somente conhecimentos adquiridos, mas, especialmente, as mudanças de atitude diante da vida, que, possivelmente, tais conhecimentos tenham propiciado. É a pessoa que deve ser avaliada e não, simplesmente, as respostas corretas de um conjunto de questões arbitrária e subjetivamente escolhidas. Para tais pessoas serem avaliadas, elas devem ser conhecidas pelo professor. Para isto, elas teriam de se manifestar diante dele, o que raramente ocorre. Prefere-se, na nossa área das ciências exatas, simplificar o procedimento e resumir a avaliação a um processo pontual e binário: a prova escrita, com questões que somente estarão certas ou erradas (relativamente à verdade matemática e técnico-científica ensinada pelos doutos professores). A avaliação de uma prova, de forma binária, não é humana e se reveste de características computacionais, como se quem avalia fosse um computador.

O ALUNO SERÁ UM PROFISSIONAL

Sobre o argumento de que o aluno tenha de desenvolver a questão corretamente, pois “o engenheiro não poderá errar o seu projeto”, temos a dizer que é um aluno que está sendo avaliado, e não o profissional do futuro. Este será formado como resultado de médias iguais ou superiores ao valor definido pela instituição de ensino, como conhecimentos suficientes e supostamente adquiridos em cada disciplina. Como ilustração, seja citado o aluno que, nada sabendo de italiano, após estudar durante um mês e ser submetido a uma prova, tenha uma questão considerada totalmente errada (num sistema binário de correção) porque teria errado o tempo verbal de uma frase cujos demais elementos estariam corretos. Seria uma avaliação justa e humana? Não estaria o aluno conseguindo comunicar-se, mesmo que imperfeitamente, por meio da frase que escrevera?

Não se pode exigir ou avaliar um aluno como se ele tivesse que acertar suas questões como se espera que o profissional, já formado, acerte. Este estará numa situação totalmente diferente do aluno: estará trabalhando possivelmente com o apoio de uma equipe técnica, sem a pressão psicológica de uma prova, e com todos os mecanismos possíveis de verificação de suas soluções. Já o aluno, numa prova, estará totalmente solitário, isolado, psicologicamente pressionado, e sem possibilidades de testar suas soluções por meio de outros recursos, que não sua cabeça estressada... Avaliação é um processo complexo, que não deveria ser reduzido à simples e pura determinação de resultados numéricos de provas, intrinsecamente falhas, ou falhas pela própria natureza.

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que ensino, aprendizagem e avaliação sejam processos complexos e que devam ser aplicados após profundas e repetidas reflexões da parte dos professores. O ensino não existe de forma independente e automática: não ocorre, necessariamente, após uma aula expositiva, por exemplo. A aprendizagem, sendo mais concreta, só ocorre após sérios e efetivos esforços da parte do aluno, nem sempre ligados, sequencialmente, às aulas, mas, costumeiramente, realizados antes das provas. Já a avaliação é um processo que, se não bem calibrado pelo docente, poderá ser fonte de muita injustiça, e traumas para o aprendiz, especialmente se for considerado um processo puramente numérico (valores das questões), binário (certo ou errado) e não levar em conta o real progresso do aluno desde o início do curso.

Uilso Aragono (dezembro de 2015)

Quem sou eu

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Sou formado em Engenharia Elétrica, com mestrado e doutorado na Univ. Federal de Santa Catarina e Prof. Titular, aposentado, na Univ. Fed. do Espírito Santo (UFES). Tenho formação, também, em Filosofia, Teologia, Educação, Língua Internacional (Esperanto), Oratória e comunicação. Meu currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787185A8

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