Muitas vezes nos deparamos com a expressão
“para crianças de zero a seis anos” e isto nos causa alguma estranheza. Afinal,
existe criança de “zero” ano de vida?...
O documento do MEC “Política de
educação infantil no Brasil – relatório de avaliação”, Brasília, outubro de
2009, é um exemplo do uso, até mesmo oficial, da estranha e descabida expressão
de uma faixa etária para crianças. Estranha porque passa a ideia de que uma
criança que não tenha ainda um ano completo de vida seja uma criança de “zero”
ano (estranho, não?).
Expressão da idade das pessoas
Em que se baseia tal estranha
expressão? Um pouco de reflexão nos leva a concluir que a causa do uso
inconsistente da expressão em foco é o costume de expressão da idade de uma
pessoa por meio dos números cardinais, isto é, por meio dos números inteiros um,
dois, três, etc.
As pessoas sempre expressam sua
idade, em língua portuguesa, em termos de anos completos de vida, e não em termos
do ano de vida em que estão vivendo. Isto é: quem tem dez anos, está vivendo o seu
décimo primeiro ano de vida, pois apenas “completou” dez anos de vida e acaba
de iniciar mais um ano de vida. Esta preferência talvez se dê porque,
aparentemente, torne as pessoas mais novas: falar “tenho 30 anos” será que,
psicologicamente, nos torna mais jovens do que “estou no meu trigésimo primeiro
ano”?...
Expressão de um período da vida
Quando da necessidade de
expressar-se uma faixa etária que inclua o primeiro ano de vida, tem-se buscado
a solução do “zero” ano – já que são expressos apenas os anos completos... No
entanto esta não é a melhor expressão a ser usada.
Existe uma alternativa disponível,
lógica e natural, baseada nos números ordinais que seria: “crianças do primeiro
ao sétimo ano (de vida)”. Por que esta não é usada? Talvez porque seja mais
fácil falar e escrever “entre zero e seis anos”. Observe-se que a expressão
correspondente no ordinal utiliza “sétimo” e não “sexto”, porque uma criança
com seis anos está no seu “sétimo” ano de vida.
Se a forma linguística utilizada
para expressar a idade das pessoas tivesse sido baseada nos números ordinais, a
pergunta sobre a idade de alguém poderia ser “em que ano você vive?”. A
resposta a essa pergunta, a título de exemplos, seria: “eu vivo meu terceiro (ano
de vida)”, “eu vivo meu décimo quinto”, ou “eu vivo meu quinquagésimo”. No caso
do primeiro ano incompleto de vida do bebê alguém perguntaria: “em que ano vive
seu bebê?”, e a resposta seria: “ele vive seu primeiro ano”. A expressão “zero
ano” não precisaria, então, ser usada. Hoje, entretanto, como a ideia de idade
é expressa de forma cardinal, busca-se expressar aquele período de vida antes
de um ano completo, por essa estranha e inexata expressão “zero ano de vida”.
Aliás, não existe, também, “ano zero”. Na passagem para o milênio muito se discutiu sobre se o início do terceiro milênio seria o ano 2000 ou o ano 2001. Ora, a resposta é simples: não existe ano zero, o que existe é o primeiro ano de um período, de uma era. Assim, Jesus nasceu no primeiro ano da era cristã, e não no ano “zero”. Portanto, o início do terceiro milênio se deu no primeiro dia do primeiro ano do século XXI, isto é, no ano 2001 e se encerrará exatamente no último dia do ano 3000, fechando o terceiro milênio!
Aliás, não existe, também, “ano zero”. Na passagem para o milênio muito se discutiu sobre se o início do terceiro milênio seria o ano 2000 ou o ano 2001. Ora, a resposta é simples: não existe ano zero, o que existe é o primeiro ano de um período, de uma era. Assim, Jesus nasceu no primeiro ano da era cristã, e não no ano “zero”. Portanto, o início do terceiro milênio se deu no primeiro dia do primeiro ano do século XXI, isto é, no ano 2001 e se encerrará exatamente no último dia do ano 3000, fechando o terceiro milênio!
Uso do número ordinal em capítulos
O uso erudito do número ordinal
é, de resto, recomendado nas expressões de capítulos, versículos e títulos de
papas, entre outros, nos casos até a décima posição. Têm-se, então, como
exemplos: “li do primeiro capítulo ao sétimo”, “leitura do salmo primeiro” (e
não “um”), “Papa João Paulo segundo”. Mesmo na linguagem falada, usar a
expressão “capítulo um” é muito estranha para um ouvido medianamente culto.
Se a expressão sugerida acima,
como alternativa à expressão cardinal, tivesse sido adotada, seria muito
natural a conclusão de que períodos de vida seriam expressos, também, em
ordinal, por exemplo: “pessoas do 18º ao 24º ano de vida são considerados
adultos jovens”.
Conclusão
A expressão “crianças de zero a
seis anos” tem sua estranheza e inconsistência baseadas no uso pouco feliz da
expressão de idade em termos de números cardinais, e não de ordinais, na nossa
formação lingüística. Como se fala em “três” anos de idade (completos) e não no
“quarto” ano de vida, tende-se a utilizar o número cardinal “zero” para o
primeiro ano de vida, quando, na verdade, se deveria utilizar, nesse caso
particular, a expressão “primeiro ano”, que, de fato, será completado ao final
desse período, quando a criança aniversariar pela primeira vez. Se a expressão
de idade fosse baseada nos números ordinais, este problema não existiria, já
que, naturalmente, se diria: “crianças entre o primeiro e o sétimo ano (de vida)”.
Aliás, mesmo sabendo-se que esta forma de expressão de idade não será alterada,
ela sugere a melhor expressão equivalente para ser usada no lugar da infeliz “de
zero a seis anos”, qual seja: “crianças do primeiro ao sétimo ano”.