Dando continuidade ao assunto “Riscos de incêndio em instalações elétricas”, vamos abordar, abaixo, alguns tópicos muito importantes e que, em geral, são mal avaliados até mesmo por técnicos da área.
A SEGURANÇA ASSOCIADA AO PROJETO DE UMA INSTALAÇÃO ELÉTRICA
O projeto de uma instalação elétrica é feito com base na
suposição de um fator elevado de segurança contra incêndios – basicamente –,
mas também contra choques elétricos. Por isso, desde de 1997, a ABNT
(Associação Brasileira de Normas Técnicas) já prevê e, em virtude da Lei do
Consumidor, até obriga as IE a incorporarem o acima comentado disjuntor Diferencial-Residual
(DR) nas instalações elétricas prediais, que objetiva tanto proteger contra
choques elétricos quanto evitar que a qualidade da instalação caia a níveis
perigosos de correntes de fuga, denunciadoras de possíveis problemas associados
à falta de ou à baixa manutenção do sistema (IE).
Esse fator de segurança está subentendido em todas as tabelas
e equações matemáticas utilizadas no projeto de uma IE. Isso significa, por
exemplo, que um condutor (fio rígido ou cabinho) de um circuito para tomadas,
que é obrigatoriamente de seção transversal (área do condutor visto de frente)
de 2,5mm2 (milímetros quadrados), possa conduzir, no máximo, entre
20 e 24A (amperes), dependendo de outros fatores de projeto, e conduza,
normalmente, correntes muito mais baixas nas situações cotidianas de uso da
instalação: cerca de 7 a 10A! Isso corresponde a menos da metade da capacidade
máxima de condução de corrente do fio!...
USO DE FIAÇÃO MAIS FINA DO QUE A PREVISTA PELAS NORMAS
TÉCNICAS
O uso, normalmente por erro de projeto, mas também, às vezes,
por má fé, de uma fiação de circuito de tomadas (para não generalizar e
complicar muito a explicação) de uma fiação irregular, isto é, de um fio com
bitola inferior à definida pelas normas técnicas, é fonte de insegurança e de
maior risco para a IE. Mas não deverá ser um fator de grande preocupação, por
si só, tendo em vista o elevado fator de segurança de uma IE, como analisado
acima, embora algumas providências de compensação devam ser tomadas, como será
estudado à frente.
E é importante ressaltar que alguns laudos, que analisam fios
fabricados com bitola menor do que deveria ser, assustam o usuário da IE com
afirmações um tanto quanto equivocadas, como mostrarei abaixo. Normalmente o
cenário é o seguinte: o fabricante forneceu fios que deveriam ser de 2,5mm2
(para circuitos de tomadas) mas que apresentam, na verdade, um valor menor de área
transversal (por exemplo, 1,75mm2, cerca de 20% a menos de cobre).
A afirmação do laudo técnico, conforme divulgado nos meios de
comunicação (portal g1.globo.com, de 10/08/21), para o caso de fios elétricos,
supostamente fraudados, da empresa Luzzano, é como o seguinte:
“De acordo com laudos do Ipem,
os fios e cabos produzidos pela empresa eram fabricados com uma quantidade
menor de matéria-prima que o necessário. Isso fazia que o consumo de energia
aumentasse, o que poderia gerar riscos de aquecimento, curtos-circuitos e até
incêndios”.
Comentarei os termos usados nesse laudo: “consumo de
energia”, “curtos-circuitos” e “incêndios”.
AUMENTO
DE “CONSUMO DE ENERGIA” DE FIAÇÃO NÃO É CAUSA INCÊNDIO
Iniciando pela afirmação de que o “consumo de energia... poderia
gerar riscos de aquecimento”, pode-se afirmar que o aumento do consumo de
energia é mínimo e incapaz de provocar algum aquecimento perigoso. Não
apresentarei aqui os cálculos detalhados, porque é um artigo para leigos, para
usuários de IE, mas pode-se afirmar que, partindo-se da suposição (pois não
tenho os dados completos desse laudo) de que a redução na seção transversal
(“grossura”) do fio elétrico de cobre, de 2,5 mm2 (o usado nos
circuitos de tomadas), tenha sido de 20%, o fio fraudado passaria a ser o equivalente
a um fio mais fino (não padronizado) de 1,75mm2. E, levando-se em
conta que a resistividade do cobre é de 0,0172 Ω.mm2/m,
tem-se o seguinte aumento de potência de consumo de energia elétrica por esse
fio mais fino, submetido a uma corrente de 10A (como exemplo), em relação ao
fio de 2,5mm2, para um comprimento total de fiação de 30 metros: cerca
de 9W (watts). Essa potência de consumo, multiplicada pelo tempo de
funcionamento do circuito, daria o tal “consumo de energia” a mais do cabo
fraudado (ou também chamado “desbitolado”), em relação ao consumo do cabo
regular.
Observe-se
que essa potência (correspondente ao “consumo de energia” a mais, do cabo
fraudado) não é nem 1% de uma carga normal de um circuito predial de tomadas
(um computador e uma impressora, por exemplo), e chegaria a cerca de 2% para a
carga máxima do circuito de tomadas (2500W)! Esse acréscimo de “consumo de
energia” do cabo elétrico irregular é, portanto, risivelmente mínimo para
causar, por si só, algum aquecimento “perigoso” do fio que, normalmente, é de
PVC e tem capacidade de temperatura de 70°C. É importante observar, ainda, que
os pontos de aquecimento mais perigosos não estão ao longo do condutor (fio),
mas nos pontos de conexão dos fios entre si e desses com os pontos de ligação
de tomadas, disjuntores, etc. (normalmente, conexões aparafusadas). Nesses
pontos, a resistência do fio é acrescida pela chamada resistência de contato,
aumentando o aquecimento pontual, como se verifica quando um fio de chuveiro,
por exemplo, derrete justamente no ponto de conexão: em virtude não só da
corrente elevada, mas, possivelmente, e principalmente, por uma conexão mal
feita (pois, para uma conexão bem feita, o aquecimento não deverá provocar
qualquer derretimento da capa isolante do fio). Isso vale também para o caso de
pontos de ligação derretidos em disjuntores.
A
afirmação de que esse “consumo de energia” a mais pudesse causar
“curtos-circuitos” na instalação ainda é menos plausível, de acordo com o que
já foi explicado na 1ª parte deste artigo: um curto-circuito não acontece como
consequência de um sobreaquecimento de fiação e nem mesmo de um
sobreaquecimento de uma conexão mal feita. E se viesse a acontecer um
curto-circuito, por qualquer outra razão plausível, o circuito seria
imediatamente desligado pelo disjuntor de proteção, e o risco de incêndio,
nesse caso, estaria totalmente eliminado.
AQUECIMENTO
DE FIAÇÃO NÃO É CAUSA DE INCÊNDIOS PREDIAIS
Sobre
a afirmação de que esse “consumo de energia” a mais do fio irregular causaria
também “incêndios”, pode-se considerá-la totalmente despropositada! O
sobreaquecimento, em função do aumento da resistência total da fiação do
circuito, ao longo do fio, como já visto, é mínimo e, por si só, não pode ser
considerado causa de qualquer incêndio. A propósito, o que, normalmente, é
identificado como possíveis causas de incêndio em IE, na atualidade, está associado
aos seguintes eventos:
a) pontos de conexão com alto grau de elevação de
temperatura, causada por má conexão (frouxa, por exemplo), e próximos a
materiais combustíveis e sensíveis a altas temperaturas, podendo, então, acontecer
o início de um incêndio (ponto de autoignição);
b) curtos-circuitos que não sejam prontamente
desligados pelos dispositivos de proteção (disjuntores de proteção) e que
provoquem muita faísca e aquecimento localizados;
c) falhas de disjuntores DR que, não protegendo
contra elevadas e contínuas fugas de corrente, possam permitir o surgimento de
aquecimentos pontuais, ao longo do tempo, vindo a ser causa de fogo em
materiais combustíveis vizinhos.
Enfim, se quisermos identificar alguns fatores básicos para a
irrupção de um incêndio de uma IE predial, poderíamos dizer que são pontos
de elevada temperatura (não ao longo dos fios) e proximidade de
materiais combustíveis (papel, madeira, tecidos, plásticos, etc.). No
entanto, se o sistema de proteção (sobrecargas, curtos-circuitos, correntes de
fuga, basicamente) estiver bem dimensionado, o risco de acontecer algum
incêndio é muito baixo.
PROVIDÊNCIAS PARA COMPENSAR O USO DE FIOS IRREGULARES
Tendo em vista tudo o que foi apresentado acima – definições,
exemplos, considerações, argumentações – podem-se indicar algumas providências
para a superação dos problemas que o uso de fios irregulares possa causar.
A primeira providência, diante da descoberta do uso de
fio irregular na IE, é verificar se, pelo menos, a isolação (a capa isolante do
fio) é de bom material: PVC, 70°C de temperatura máxima e não propagador de
chama. Para testar esse último ponto é só aplicar uma chama num ponto de uma
pequena amostra do fio e verificar se a chama se espalha ou não pelo condutor.
Não se espalhando, tem-se a certeza de que o fio segue a norma, nesse quesito. Se
o fio se queimar e transmitir a chama, a necessidade de troca da fiação
torna-se mais imperiosa.
A segunda providência é trocar os disjuntores
existentes no quadro de distribuição de energia da IE (apartamento, prédio,
etc.), de acordo com a “nova” capacidade dos fios da instalação. Como exemplo,
tomando os fios dos circuitos de tomadas, que deveriam ser da bitola 2,5mm2,
e são, na verdade, de 1,75mm2 (hipoteticamente), uma bitola não
padronizada, os disjuntores originais de 20A deveriam ser trocados por
equivalentes, mas de 15A ou 16A. Dessa forma, os fios irregulares estarão
protegidos adequadamente contra sobrecargas e curtos-circuitos. E assim deve
ser feito para todos os demais disjuntores, de acordo com a nova bitola do fio
irregular. Para os circuitos de iluminação, que normalmente são protegidos por
disjuntores de 15A, deveriam passar a ser protegidos por disjuntores de 10A ou
12A. Esta providência cancela o risco do uso de um fio irregular, e é mais
econômica do que a simples substituição de toda a fiação da IE. Essa substituição,
além de cara, poderia vir a ser fonte de outros problemas, se não for muito bem
feita e se não seguir o projeto original.
A terceira providência é garantir o uso adequado do disjuntor
ou interruptor Diferencial-Residual, o DR, como foi explicado na
1ª parte deste artigo. E esse uso adequado significa: testar o seu
funcionamento, mensalmente, por meio do seu botão de teste, conforme
recomenda o fabricante. Ao apertar o botão, o disjuntor deve atuar, desligando
o circuito associado a ele. Se o disjuntor não atuar, deverá ser imediatamente
trocado.
A quarta providência tem a ver com as tomadas
específicas: chuveiros e condicionadores de ar. No caso do chuveiro, se os
pontos de conexão estiverem esquentando demais, a ponto de provocar
derretimento no fio, recomenda-se trocá-lo para 220V, adaptando-se a proteção
de monopolar para bipolar. O fio mais fino, portanto, estará conduzindo agora,
cerca de metade da corrente original em 127V! Portanto, mantém-se a fiação, mas
agora o chuveiro estará drenando uma corrente bem menor (de acordo com o fio também
de menor seção) e a proteção estará de acordo com essa fiação. Se esse fio irregular
for equivalente a 4mm2, o disjuntor recomendado será aquele de 28 a
32A. No caso do aparelho de ar-condicionado, se ele estiver funcionando bem,
sem maiores aquecimentos nas conexões dos fios, basta que o disjuntor seja
adaptado, conforme já explicado acima, para o caso dos circuitos de tomadas.
CONCLUSÃO
As instalações elétricas prediais (residenciais e comerciais)
são projetadas com base em fatores de segurança elevados (fios mais grossos do
que o estritamente necessário, por exemplo) e sistemas de proteção
cuidadosamente calculados para garantir a integridade da fiação e a proteção
contra choques elétricos e correntes de fuga, denunciadoras de instalação com
baixa qualidade na execução ou na manutenção.
As IE são projetadas com base, ainda, em circuitos separados
para iluminação (em geral, disjuntores de 15A e fio de 1,5mm2),
tomadas de uso geral (disjuntores de 20A e fio de 2,5mm2) e tomadas
de uso específico (chuveiros e aparelhos de ar-condicionado, entre outros). O
quadro de distribuição contará com dispositivos de proteção da fiação contra
sobrecarga e curto-circuito (disjuntores termomagnéticos), com dispositivos de proteção
da instalação contra correntes de fuga elevadas e proteção dos usuários contra
choques elétricos (disjuntor Diferencial-Residual – DR) bem como, mas não
obrigatoriamente, com dispositivos para proteção contra surtos de tensão, popularmente
conhecidos como “picos de tensão” (dispositivos de proteção contra surtos –
DPS).
As normas da ABNT preveem condutores (ou fios) de dimensões
superiores às estritamente necessárias para os diversos circuitos da IE. E em virtude
da Lei do Consumidor, essas normas têm força de lei, obrigando os projetistas a
seguirem as orientações técnicas das diversas normas relacionadas a instalações
elétricas prediais. No caso de um descumprimento dessas normas – como seria o
caso de uso de condutores fora das normas (“desbitolados”) – o direito do
consumidor, uma vez constatada tal infração, é processar o construtor do prédio,
que por sua vez, teria o direito de processar o fornecedor (comerciante ou
fabricante) dessa hipotética fiação fora dos padrões.
No entanto, como visto acima, e com base numa análise de uma
hipotética fiação com bitola inferior à prevista pelas normas, há a
possibilidade de o consumidor, ou usuário da IE, abrir mão de processo judicial
e colocar em prática as orientações acima apresentadas, o que garantiria,
igualmente, a segurança da IE, mesmo com fiação irregular, pois essa não é o único,
nem o mais importante fator de segurança, como visto acima, para a existência
de uma adequada instalação elétrica predial.
Uilso Aragono (agosto/2023).
Nenhum comentário:
Postar um comentário