sábado, 26 de agosto de 2023

RISCOS DE INCÊNDIO EM INSTALAÇÕES ELÉTRICAS PREDIAIS (parte II)

 Dando continuidade ao assunto “Riscos de incêndio em instalações elétricas”, vamos abordar, abaixo, alguns tópicos muito importantes e que, em geral, são mal avaliados até mesmo por técnicos da área.

A SEGURANÇA ASSOCIADA AO PROJETO DE UMA INSTALAÇÃO ELÉTRICA

O projeto de uma instalação elétrica é feito com base na suposição de um fator elevado de segurança contra incêndios – basicamente –, mas também contra choques elétricos. Por isso, desde de 1997, a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) já prevê e, em virtude da Lei do Consumidor, até obriga as IE a incorporarem o acima comentado disjuntor Diferencial-Residual (DR) nas instalações elétricas prediais, que objetiva tanto proteger contra choques elétricos quanto evitar que a qualidade da instalação caia a níveis perigosos de correntes de fuga, denunciadoras de possíveis problemas associados à falta de ou à baixa manutenção do sistema (IE).

Esse fator de segurança está subentendido em todas as tabelas e equações matemáticas utilizadas no projeto de uma IE. Isso significa, por exemplo, que um condutor (fio rígido ou cabinho) de um circuito para tomadas, que é obrigatoriamente de seção transversal (área do condutor visto de frente) de 2,5mm2 (milímetros quadrados), possa conduzir, no máximo, entre 20 e 24A (amperes), dependendo de outros fatores de projeto, e conduza, normalmente, correntes muito mais baixas nas situações cotidianas de uso da instalação: cerca de 7 a 10A! Isso corresponde a menos da metade da capacidade máxima de condução de corrente do fio!...

USO DE FIAÇÃO MAIS FINA DO QUE A PREVISTA PELAS NORMAS TÉCNICAS

O uso, normalmente por erro de projeto, mas também, às vezes, por má fé, de uma fiação de circuito de tomadas (para não generalizar e complicar muito a explicação) de uma fiação irregular, isto é, de um fio com bitola inferior à definida pelas normas técnicas, é fonte de insegurança e de maior risco para a IE. Mas não deverá ser um fator de grande preocupação, por si só, tendo em vista o elevado fator de segurança de uma IE, como analisado acima, embora algumas providências de compensação devam ser tomadas, como será estudado à frente.

E é importante ressaltar que alguns laudos, que analisam fios fabricados com bitola menor do que deveria ser, assustam o usuário da IE com afirmações um tanto quanto equivocadas, como mostrarei abaixo. Normalmente o cenário é o seguinte: o fabricante forneceu fios que deveriam ser de 2,5mm2 (para circuitos de tomadas) mas que apresentam, na verdade, um valor menor de área transversal (por exemplo, 1,75mm2, cerca de 20% a menos de cobre).

A afirmação do laudo técnico, conforme divulgado nos meios de comunicação (portal g1.globo.com, de 10/08/21), para o caso de fios elétricos, supostamente fraudados, da empresa Luzzano, é como o seguinte:

De acordo com laudos do Ipem, os fios e cabos produzidos pela empresa eram fabricados com uma quantidade menor de matéria-prima que o necessário. Isso fazia que o consumo de energia aumentasse, o que poderia gerar riscos de aquecimento, curtos-circuitos e até incêndios”.

Comentarei os termos usados nesse laudo: “consumo de energia”, “curtos-circuitos” e “incêndios”.

AUMENTO DE “CONSUMO DE ENERGIA” DE FIAÇÃO NÃO É CAUSA INCÊNDIO

Iniciando pela afirmação de que o “consumo de energia... poderia gerar riscos de aquecimento”, pode-se afirmar que o aumento do consumo de energia é mínimo e incapaz de provocar algum aquecimento perigoso. Não apresentarei aqui os cálculos detalhados, porque é um artigo para leigos, para usuários de IE, mas pode-se afirmar que, partindo-se da suposição (pois não tenho os dados completos desse laudo) de que a redução na seção transversal (“grossura”) do fio elétrico de cobre, de 2,5 mm2 (o usado nos circuitos de tomadas), tenha sido de 20%, o fio fraudado passaria a ser o equivalente a um fio mais fino (não padronizado) de 1,75mm2. E, levando-se em conta que a resistividade do cobre é de 0,0172 Ω.mm2/m, tem-se o seguinte aumento de potência de consumo de energia elétrica por esse fio mais fino, submetido a uma corrente de 10A (como exemplo), em relação ao fio de 2,5mm2, para um comprimento total de fiação de 30 metros: cerca de 9W (watts). Essa potência de consumo, multiplicada pelo tempo de funcionamento do circuito, daria o tal “consumo de energia” a mais do cabo fraudado (ou também chamado “desbitolado”), em relação ao consumo do cabo regular.

Observe-se que essa potência (correspondente ao “consumo de energia” a mais, do cabo fraudado) não é nem 1% de uma carga normal de um circuito predial de tomadas (um computador e uma impressora, por exemplo), e chegaria a cerca de 2% para a carga máxima do circuito de tomadas (2500W)! Esse acréscimo de “consumo de energia” do cabo elétrico irregular é, portanto, risivelmente mínimo para causar, por si só, algum aquecimento “perigoso” do fio que, normalmente, é de PVC e tem capacidade de temperatura de 70°C. É importante observar, ainda, que os pontos de aquecimento mais perigosos não estão ao longo do condutor (fio), mas nos pontos de conexão dos fios entre si e desses com os pontos de ligação de tomadas, disjuntores, etc. (normalmente, conexões aparafusadas). Nesses pontos, a resistência do fio é acrescida pela chamada resistência de contato, aumentando o aquecimento pontual, como se verifica quando um fio de chuveiro, por exemplo, derrete justamente no ponto de conexão: em virtude não só da corrente elevada, mas, possivelmente, e principalmente, por uma conexão mal feita (pois, para uma conexão bem feita, o aquecimento não deverá provocar qualquer derretimento da capa isolante do fio). Isso vale também para o caso de pontos de ligação derretidos em disjuntores.

 AQUECIMENTO DE FIAÇÃO NÃO É CAUSA DE CURTOS-CIRCUITOS

A afirmação de que esse “consumo de energia” a mais pudesse causar “curtos-circuitos” na instalação ainda é menos plausível, de acordo com o que já foi explicado na 1ª parte deste artigo: um curto-circuito não acontece como consequência de um sobreaquecimento de fiação e nem mesmo de um sobreaquecimento de uma conexão mal feita. E se viesse a acontecer um curto-circuito, por qualquer outra razão plausível, o circuito seria imediatamente desligado pelo disjuntor de proteção, e o risco de incêndio, nesse caso, estaria totalmente eliminado.

AQUECIMENTO DE FIAÇÃO NÃO É CAUSA DE INCÊNDIOS PREDIAIS

Sobre a afirmação de que esse “consumo de energia” a mais do fio irregular causaria também “incêndios”, pode-se considerá-la totalmente despropositada! O sobreaquecimento, em função do aumento da resistência total da fiação do circuito, ao longo do fio, como já visto, é mínimo e, por si só, não pode ser considerado causa de qualquer incêndio. A propósito, o que, normalmente, é identificado como possíveis causas de incêndio em IE, na atualidade, está associado aos seguintes eventos:

a)     pontos de conexão com alto grau de elevação de temperatura, causada por má conexão (frouxa, por exemplo), e próximos a materiais combustíveis e sensíveis a altas temperaturas, podendo, então, acontecer o início de um incêndio (ponto de autoignição);

b)     curtos-circuitos que não sejam prontamente desligados pelos dispositivos de proteção (disjuntores de proteção) e que provoquem muita faísca e aquecimento localizados;

c)     falhas de disjuntores DR que, não protegendo contra elevadas e contínuas fugas de corrente, possam permitir o surgimento de aquecimentos pontuais, ao longo do tempo, vindo a ser causa de fogo em materiais combustíveis vizinhos.

Enfim, se quisermos identificar alguns fatores básicos para a irrupção de um incêndio de uma IE predial, poderíamos dizer que são pontos de elevada temperatura (não ao longo dos fios) e proximidade de materiais combustíveis (papel, madeira, tecidos, plásticos, etc.). No entanto, se o sistema de proteção (sobrecargas, curtos-circuitos, correntes de fuga, basicamente) estiver bem dimensionado, o risco de acontecer algum incêndio é muito baixo.

PROVIDÊNCIAS PARA COMPENSAR O USO DE FIOS IRREGULARES

Tendo em vista tudo o que foi apresentado acima – definições, exemplos, considerações, argumentações – podem-se indicar algumas providências para a superação dos problemas que o uso de fios irregulares possa causar.

A primeira providência, diante da descoberta do uso de fio irregular na IE, é verificar se, pelo menos, a isolação (a capa isolante do fio) é de bom material: PVC, 70°C de temperatura máxima e não propagador de chama. Para testar esse último ponto é só aplicar uma chama num ponto de uma pequena amostra do fio e verificar se a chama se espalha ou não pelo condutor. Não se espalhando, tem-se a certeza de que o fio segue a norma, nesse quesito. Se o fio se queimar e transmitir a chama, a necessidade de troca da fiação torna-se mais imperiosa.

A segunda providência é trocar os disjuntores existentes no quadro de distribuição de energia da IE (apartamento, prédio, etc.), de acordo com a “nova” capacidade dos fios da instalação. Como exemplo, tomando os fios dos circuitos de tomadas, que deveriam ser da bitola 2,5mm2, e são, na verdade, de 1,75mm2 (hipoteticamente), uma bitola não padronizada, os disjuntores originais de 20A deveriam ser trocados por equivalentes, mas de 15A ou 16A. Dessa forma, os fios irregulares estarão protegidos adequadamente contra sobrecargas e curtos-circuitos. E assim deve ser feito para todos os demais disjuntores, de acordo com a nova bitola do fio irregular. Para os circuitos de iluminação, que normalmente são protegidos por disjuntores de 15A, deveriam passar a ser protegidos por disjuntores de 10A ou 12A. Esta providência cancela o risco do uso de um fio irregular, e é mais econômica do que a simples substituição de toda a fiação da IE. Essa substituição, além de cara, poderia vir a ser fonte de outros problemas, se não for muito bem feita e se não seguir o projeto original.

A terceira providência é garantir o uso adequado do disjuntor ou interruptor Diferencial-Residual, o DR, como foi explicado na 1ª parte deste artigo. E esse uso adequado significa: testar o seu funcionamento, mensalmente, por meio do seu botão de teste, conforme recomenda o fabricante. Ao apertar o botão, o disjuntor deve atuar, desligando o circuito associado a ele. Se o disjuntor não atuar, deverá ser imediatamente trocado.

A quarta providência tem a ver com as tomadas específicas: chuveiros e condicionadores de ar. No caso do chuveiro, se os pontos de conexão estiverem esquentando demais, a ponto de provocar derretimento no fio, recomenda-se trocá-lo para 220V, adaptando-se a proteção de monopolar para bipolar. O fio mais fino, portanto, estará conduzindo agora, cerca de metade da corrente original em 127V! Portanto, mantém-se a fiação, mas agora o chuveiro estará drenando uma corrente bem menor (de acordo com o fio também de menor seção) e a proteção estará de acordo com essa fiação. Se esse fio irregular for equivalente a 4mm2, o disjuntor recomendado será aquele de 28 a 32A. No caso do aparelho de ar-condicionado, se ele estiver funcionando bem, sem maiores aquecimentos nas conexões dos fios, basta que o disjuntor seja adaptado, conforme já explicado acima, para o caso dos circuitos de tomadas.

CONCLUSÃO

As instalações elétricas prediais (residenciais e comerciais) são projetadas com base em fatores de segurança elevados (fios mais grossos do que o estritamente necessário, por exemplo) e sistemas de proteção cuidadosamente calculados para garantir a integridade da fiação e a proteção contra choques elétricos e correntes de fuga, denunciadoras de instalação com baixa qualidade na execução ou na manutenção.  

As IE são projetadas com base, ainda, em circuitos separados para iluminação (em geral, disjuntores de 15A e fio de 1,5mm2), tomadas de uso geral (disjuntores de 20A e fio de 2,5mm2) e tomadas de uso específico (chuveiros e aparelhos de ar-condicionado, entre outros). O quadro de distribuição contará com dispositivos de proteção da fiação contra sobrecarga e curto-circuito (disjuntores termomagnéticos), com dispositivos de proteção da instalação contra correntes de fuga elevadas e proteção dos usuários contra choques elétricos (disjuntor Diferencial-Residual – DR) bem como, mas não obrigatoriamente, com dispositivos para proteção contra surtos de tensão, popularmente conhecidos como “picos de tensão” (dispositivos de proteção contra surtos – DPS).

As normas da ABNT preveem condutores (ou fios) de dimensões superiores às estritamente necessárias para os diversos circuitos da IE. E em virtude da Lei do Consumidor, essas normas têm força de lei, obrigando os projetistas a seguirem as orientações técnicas das diversas normas relacionadas a instalações elétricas prediais. No caso de um descumprimento dessas normas – como seria o caso de uso de condutores fora das normas (“desbitolados”) – o direito do consumidor, uma vez constatada tal infração, é processar o construtor do prédio, que por sua vez, teria o direito de processar o fornecedor (comerciante ou fabricante) dessa hipotética fiação fora dos padrões.  

No entanto, como visto acima, e com base numa análise de uma hipotética fiação com bitola inferior à prevista pelas normas, há a possibilidade de o consumidor, ou usuário da IE, abrir mão de processo judicial e colocar em prática as orientações acima apresentadas, o que garantiria, igualmente, a segurança da IE, mesmo com fiação irregular, pois essa não é o único, nem o mais importante fator de segurança, como visto acima, para a existência de uma adequada instalação elétrica predial.

Uilso Aragono (agosto/2023).

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Quem sou eu

Minha foto
Sou formado em Engenharia Elétrica, com mestrado e doutorado na Univ. Federal de Santa Catarina e Prof. Titular, aposentado, na Univ. Fed. do Espírito Santo (UFES). Tenho formação, também, em Filosofia, Teologia, Educação, Língua Internacional (Esperanto), Oratória e comunicação. Meu currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787185A8

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