O recente acidente de trânsito ocorrido na Linha Amarela, no Rio de
Janeiro, em que um caminhão, com a basculante levantada, derrubou uma passarela
elevada matando quatro pessoas e deixando várias feridas, remete-nos, mais uma
vez, a refletir sobre os acidentes de trânsito e suas causas.
As causas de acidentes de
trânsito são, normalmente, reportadas como sendo alta velocidade, imprudência,
embriaguês, uso do corredor entre os carros, ultrapassagem de sinal vermelho, etc.
Estas causas, no entanto, são as chamadas “causas imediatas”, isto é, aquelas
que saltam aos olhos na análise do acidente. São causas, sim, mas não são as
causas mais importantes, são apenas aquelas que de forma mais evidente podem
ser identificadas.
Um acidente que tenha provocado a
morte de um pedestre, na faixa de segurança, atropelado por um carro dirigido
por um motorista que se mostre claramente alcoolizado para o agente de trânsito
e outras testemunhas, terá como causa certa a embriaguês do motorista. No
entanto, não podemos parar neste ponto. Há que se procurar as chamadas “causas
remotas”. Há que se perguntar: o que está por trás do cidadão que se permitiu
dirigir alcoolizado? Há que se buscar as razões mais profundas, as causas mais
originais, que viabilizaram o dirigir embriagado e o atropelamento.
O acidente da Linha Amarela já
está sendo reportado como tendo sido causado por embriaguês do motorista e por
este ter usado o celular enquanto dirigia, além de estar trafegando numa via
proibida para caminhões. Mas, por mais que sejam identificadas as causas
imediatas – essas três citadas –, o mais importante, para o bem da sociedade e
para a busca de verdadeiras e definitivas soluções para esses acidentes, é a
identificação da causas remotas, isto é, aquelas que levaram o motorista a agir
da maneira que agiu; a dirigir de forma tão irresponsável e perigosa.
Uma análise da sociedade
brasileira – e, em geral, das sociedades ditas civilizadas, em todo o mundo – nos
leva a perceber, se olharmos de forma crítica e procurando enxergar para além
das aparências, que somos uma sociedade marcada pela cultura do hedonismo, isto é, da busca do prazer, e pela cultura da libertinagem. Esses dois
aspectos culturais parecem mover nossa sociedade. E levam consigo todas as suas
funestas consequências. Vejamos cada um desses aspectos culturais e suas
consequências.
O hedonismo (do grego hedonê, "prazer", "vontade")
é uma antiga filosofia de vida que prega o prazer como o supremo bem da vida humana. Parece
que esta filosofia foi resgatada pelas sociedades modernas e assumida como o
melhor guia do bem viver. “O importante é ser feliz”; “o importante é ter
prazer em fazer as coisas”; “o importante é trabalhar com prazer”; “faça sexo
com quem quiser, desde que seja sexo seguro”. Tudo é permitido em nome do
prazer e da suposta felicidade dele decorrente. Não estaria aqui uma causa
remota, original, que estaria por trás da causa imediata da embriaguês? Por que
o motorista se permitiu embriagar? Porque o prazer dado pelo álcool é
incentivado em nossa sociedade! “Beba o quanto quiser, desde que pague, que não
seja roubado!”
Quanto à libertinagem, esta é uma cultura incentivada pelo nossa sociedade a
partir do exagero e da supervalorização da liberdade individual. A libertinagem
é, exatamente, o uso exagerado, descontrolado e sem limites da verdadeira
liberdade: O cidadão, contagiado por tão ampla e propagada cultura da
libertinagem, agirá pensando ser livre; pensando estar vivendo em liberdade: para
ele, todas as regras e leis são restrições inaceitáveis para o exercício de sua
liberdade, confundida com libertinagem. Não estaria aqui identificada uma causa
remota do acidente da Linha Amarela? Por que o motorista, além de embriagado,
decidiu desrespeitar uma clara proibição de tráfego de caminhões na via citada?
Porque, para ele, vem em primeiro lugar a sua “liberdade” – isto é,
libertinagem –, o direito de fazer o que bem entender, de decidir o que é
melhor para ele. A regra, a proibição só foi feita para atrapalhar, portanto,
deve ser sumariamente desrespeitada.
CONCLUSÃO
Enquanto nossa sociedade não aprender
a identificar, com honestidade, as verdadeira causas remotas, e combatê-las com
seriedade e rigor, de nada ou de pouco valerão as tentativas jurídicas de
criminalizar os acidentes de trânsito. Enquanto nossas leis forem mal feitas,
porque marcadas e embasadas pelas duas culturas de morte, acima – do hedonismo
e da libertinagem –, teremos muito poucos avanças em direção a um trânsito mais humano e com menos
mortes desnecessárias. Enquanto nossa sociedade não aprender que a EDUCAÇÃO de
base é o maior e melhor investimento que um Estado possa fazer em sua
população, continuaremos a ter cidadãos facilmente contagiados por falsas
culturas de morte, e facilmente levados a uma vida de insegurança, de
acidentes, de sofrimentos e de vidas ceifadas muito antes do digno e bonito
envelhecer.
Uilso Aragono (janeiro de 2014)
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