Este artigo visa a esclarecer aos
católicos, e a quem se interessar, os significados associados ao dia de Finados
(feriado nacional, 2 de novembro) e ao dia de Todos os Santos (1º de novembro,
celebrado no domingo seguinte). São reflexões de um leigo que está sempre
buscando esclarecer-se sobre a doutrina de sua Igreja e buscando partilhar esse
conhecimento, tão útil à vida social e à vida espiritual de todos nós.
INTRODUÇÃO
Para bom entendimento dos
significados propostos é necessário, inicialmente, que recordemos o que a
Igreja Cristã Católica entende pelo termo “Igreja”. Este termo deve ser
entendido como a “assembleia dos santos”, ou o conjunto de todos os que buscam
santificar-se em Cristo. A Igreja Católica, portanto, vê-se, a si própria, como
uma igreja de três dimensões: a Igreja militante, a Igreja padecente, e a
Igreja triunfante. A Igreja militante é o conjunto dos cristãos que ainda vivem
na Terra e lutam ( ou militam) por sua santificação; a Igreja padecente é o
conjunto de todos os já falecidos mas que não conseguiram santificar-se
plenamente, morrendo com algumas “manchas” de pecado na alma, necessitando,
portanto, purificar-se no Purgatório; a Igreja triunfante é o conjunto de todos
os santos que morreram em estado de graça e conseguiram partir sem quaisquer “manchas”
de pecado na alma, tendo direito a irem “direto” para o Céu, para participar da
visão beatífica de Deus. Vemos, então, que a Igreja de Cristo é uma entidade
não apenas terrena, mas, em conformidade com a doutrina que coloca Cristo como
sua “cabeça”, também, uma entidade espiritual ou celestial, na medida em que
tem seus membros congregados nessas três dimensões citadas. Fala-se, por
consequência, que a Igreja é, também, a “comunhão dos santos”, santos
entendidos como todos aqueles que buscam a santificação e que um dia, pela
graça de Deus, certamente a alcançarão, ou ao fim desta vida terrena (todos os
santos), ou ao fim do tempo espiritual correspondente ao Purgatório.
A partir do bom entendimento do
conceito de Igreja, como visto acima, os significados dos dias citados já podem
ser esclarecidos. Pode-se, então, estabelecer a diferença fundamental entre o
dia de Finados e o dia de Todos os Santos.
DIA DE TODOS OS SANTOS
O dia de Todos os Santos é o dia
estabelecido pela Igreja Católica para que todos nós, cristãos, recordemos a
vida e as realizações de todos aqueles nossos entes queridos, amigos, e conhecidos,
que, embora, como todos nós, tenham pecado, conseguiram, no entanto, morrer em
estado de graça e tendo alcançado sua plena purificação ainda aqui, nesta
Terra, com a graça de Deus e por meio de dores e sofrimentos vividos em união
com Cristo e a Igreja. Mas não se trata aqui dos santos de altar, isto é, dos
santos oficiais da Igreja, pois esses já têm seu dia marcado no calendário de
festas e celebrações litúrgicas da Igreja. Trata-se, portanto, de todos os
demais cristãos que, embora tenham alcançado uma vida santa já aqui na Terra,
não são oficialmente reconhecidos como “santos”, mas que, de fato, aos olhos de
Deus viveram vidas santas. São todas aquelas pessoas em relação às quais temos
a impressão de que, de fato, por tudo o que viveram e sofreram, foram exemplo
de cristãos, isto é, foram verdadeiros santos entre nós.
DIA DE FINADOS
Dia de Finados, ou dia dos
mortos, ou dia dos defuntos, é o dia estabelecido pela Igreja Católica para que
todos os cristãos se lembrem de seus falecidos que possam estar no Purgatório.
É o dia das almas dos que estão no Purgatório. É o dia em que, em especial, nos
recordamos de nossos entes queridos que faleceram, sem que tenhamos a certeza
de que tenham alcançado a bem-aventurança (a santidade). É uma dia de
lembrança, de homenagem, de emoções, de oração, e de oferecimento de missas e
de sacrifícios pelas almas desses nossos entes queridos, para que sejam
ajudados a superar “o tempo espiritual” (chamado “evo”, na teologia)
correspondente ao seu sofrimento purificador e santificador, necessário a
compensar as penas temporais não cumpridas no tempo de sua vida terrena. Essas “penas
temporais” são aquelas devidas a pecados cometidos, perdoados, mas que não
foram “compensados” por penas durante a vida terrena; penas essas associadas,
normalmente, a jejuns, abstinências, esmolas, visitas a doentes, obras de
caridade, participação em missas, e a dores e sofrimentos normais da vida, oferecidos
a Deus por si e por outros. O tempo espiritual no Purgatório é um tempo de
sofrimento purificador e santificador em que, diante da próxima visão beatífica
de Deus, separada, talvez, como que por um fino véu, a alma procura
santificar-se para ser digna de, finalmente, ultrapassar essa barreira final
para alcançar o Céu. A alma reconhece que ainda não é digna, ainda não atingiu
a necessária santidade de vida para encontrar-se face a face com seu Deus. Por
isso sofre, angustia-se, arrepende-se de não ter buscado a santidade com mais
empenho, enquanto ainda peregrinava na Terra. Nesse sofrimento, a alma pode ser
ajudada pelos irmãos na Terra – dentro do conceito de Igreja como comunhão dos
santos – por seus sacrifícios, sofrimentos e orações oferecidos a Deus por amor
a essas almas e unidos no Amor de Cristo.
SOBRE O INFERNO
Nunca teremos certeza sobre o
destino de alguma pessoa, a não ser em relação ao Céu. Se essa alma foi para o
Purgatório ou para o Inferno, nunca teremos certeza nesta vida. Se algum ente
querido foi para o Céu, esta certeza pode ser alcançada por meio de tudo o que
conhecemos da vida da pessoa e por uma visão espiritual que a Graça de Deus
possa nos comunicar. Não sabendo, portanto, se um ente querido, ou mesmo uma
pessoa conhecida, após a morte tenha ido para o Purgatório ou para o Inferno,
podemos e devemos rezar por sua alma. Deus, que tudo conhece, saberá dirigir
nossas preces e nossos méritos para as almas que estiverem no Purgatório. Se a
alma foi para o Inferno, que é um estado de separação definitiva de Deus, para nada
lhe poderão servir as orações do cristão na Terra. Infelizmente e
lamentavelmente essa realidade existe: no Inferno o sofrimento ocorre por
absoluta consciência de que o amor a Deus foi negado, apesar de todas as graças
disponíveis, e não há mais possibilidade de recuperação. O sofrimento da alma
no Inferno é um sofrimento sem esperança, enquanto o sofrimento no Purgatório é,
ao contrário, pleno da esperança celestial.
SOBRE AS INDULGÊNCIAS
Ligado à questão das penas
temporais, a Igreja nos propõe a realidade das chamadas indulgências. Estas são
dispensas ou cancelamentos de penas temporais relativas a pecados cometidos e
já perdoados, mas cujas penas temporais ainda não foram cumpridas. Este
conceito teologal está ligado à realidade dos méritos de Cristo, isto é, a tudo
o que Jesus conquistou por meio de sua vida santa e sua morte redentora na cruz.
É um tesouro riquíssimo, infinito, que a Igreja, como Cristo que ainda caminha na
Terra, pode aplicar a uma alma, assim como o próprio Cristo aplicou muitas
vezes e em sua vida terrena. Um cristão, portanto, pode beneficiar-se desse
enorme Tesouro, ao cumprir certas exigências de oração e obras de caridade
impostas pela Igreja, e receber indulgências parciais ou plenárias: no primeiro
caso, muitas das penas temporais devidas são canceladas; no segundo caso, todas
as penas temporais devidas são anuladas, até aquele momento. Isto significa que
uma pessoa, tendo recebido indulgências plenárias, ao morrer logo em seguida,
em estado de graça, irá diretamente para o Céu, tornando-se mais um dos santos
de nossa Igreja. As indulgências são um benefício que Cristo concede à nossa
fraqueza moral e espiritual. Por nós próprios, teríamos muita dificuldade de
pagar nossas penas temporais devidas pelos nossos pecados, e correríamos o
risco de irmos para o Purgatório; com as indulgências, os méritos de Cristo são
aplicados à nossa fraqueza e apagam, efetivamente, nossas penas, ajudando-nos
no nosso processo de santificação.
O CONCEITO BÍBLICO DE PURGATÓRIO
O dia de Finados tem sua base
bíblica no segundo livro dos Macabeus (2 Mc 12,46). Este livro é um dos sete
livros do Antigo Testamento que nossos irmãos evangélicos retiraram da Bíblia católica
para transformá-la na Bíblia evangélica. Infelizmente, por questões não muito
bem explicadas, e que não dá para aprofundar neste artigo, esse livro não está presente
na Bíblia dos evangélicos, os quais, portanto, baseando sua crença, unicamente
na Bíblia, não têm como acreditar no Purgatório. Mas este livro, que por mais
de mil anos já pertencia à Bíblia – que é, eminentemente e originalmente,
católica! – expõe, claramente, a crença dos antigos judeus na existência do
Purgatório: “Por isso, (Judas Macabeu) mandou oferecer um sacrifício pelo
pecado dos que tinham morrido, para que fossem libertados do pecado” (2 MC
12,46).
CONCLUSÃO
O dia de Finados e o dia de Todos
os Santos são dois momentos importantíssimos na vida do cristão, pois bem
compreendidos e bem celebrados têm todas as condições de levar-nos a uma vida
cristã mais santa e santificadora. Celebrando-os com consciência estaremos
vivenciando de forma admirável e eficaz a realidade da comunhão dos santos, que
nos beneficia a todos que buscamos um mundo mais justo, mais santo e mais
feliz.
Uilso Aragono (No dia de Finados, 02/novembro de 2013)
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