Quem é cristão e apoiou o Bolsonaro e os valores cristãos que ele defende, deverá, como muitos estão fazendo e propondo, rejeitar amigos e parentes por esses terem votado no Lula? Alguns argumentos contrários a essa tese podem ser lidos e ponderados, a seguir.
1) Jesus nos ensina que devemos
amar-nos uns aos outros e, inclusive, aos “inimigos”. Ele explica que não tem
valor moral se somente amarmos aqueles que nos amam. E que Deus “faz chover
sobre bons e maus”: não discrimina negativamente pessoas. E é isso que faz quem
se distancia de alguém de quem não gosta ou de quem tem posicionamento
político/moral/religioso oposto. Jesus nos ensina a “amarmos” os inimigos. Observe-se
que um tal Sullivan, em seu vídeo, chama aqueles que votaram no Lula e apoiaram
o lulopetismo de “inimigos”, no final do vídeo. Ora, amar os inimigos
significa: rezar por eles, ter consideração por eles, querer o bem deles, ajudá-los,
se preciso for, etc. E ao afastarmo-nos de alguém, de um “inimigo”, não
poderíamos ajudá-lo quando for necessário. E equivale a “matá-lo”, ao
erradicá-lo de nossa vida, de nosso relacionamento.
2) Pensemos no comportamento de
Jesus. a) Ele convivia com os fariseus, deixava que esses o
seguissem e até conversava com eles, fazendo perguntas e respondendo-lhes.
Jesus até os xingava de “hipócritas”, mas não se “afastava” deles e nem os
repelia e, portanto, não os “matava”. b) Atendeu Nicodemos (fariseu), à noite,
para conversar. c) Atendeu um oficial romano e curou seu empregado, embora esse
fosse um “inimigo” dos judeus, pois ali estava para garantir as ordens e os
interesses do Imperador romano. d) Até Judas foi tratado como amigo, por Jesus,
embora se tenha tornado seu inimigo ao traí-lo: “Amigo, com um beijo entregas o
Filho do Homem?”. Portanto, quem defende a rejeição dos amigos, em função do
seu posicionamento político-eleitoral, passando a tratá-los como “inimigos”, está
errado! Não é uma atitude cristã, porque o cristão verdadeiro é um imitador de
Jesus Cristo.
3) Se for para nos afastarmos daqueles
conhecidos, amigos e parentes por razão de eles terem votado no Lula e apoiado
o lulopetismo, então teremos de ser coerentes e agir assim em relação a todos
eles. Portanto, não podemos nos afastar, por exemplo, de nosso irmão de sangue,
por ser petista/lulista sem que também nos afastemos de todos os conhecidos e
amigos que tenham igualmente apoiado o Lula. Há que se fazer uma reflexão séria
nesse sentido: todos os meus conhecidos, amigos e parentes que votaram
em Lula foram excluídos de minha vida? Isto é: matei-os (moralmente) todos?
excluindo-os da minha vida? Suicidei-me diante deles, privando-os de minha
convivência? Para sermos coerentes teríamos que ter esse gesto em relação a
todos eles. Portanto, serei obrigado a verificar e procurar saber os votos de
meus conhecidos, amigos e parentes para identificar todos aqueles dos quais
terei de me afastar. Deixar de fazer isso é ser injusto com alguns que foram
“condenados” porque fiquei sabendo do seu voto. E aqueles dos quais não soube como
votaram?... E como saber isso?
Perguntando a cada um como ele votou? E se a pessoa não quiser responder?... E
se desconfiarmos de alguém que tenha apoiado o Lula, mas não tenhamos certeza?
Como fica?
4) Pensemos agora nas palavras de
Jesus: “Não julgueis, porque com a mesma medida com que medirdes, sereis
medidos”. Julgar é um ato de buscar a inocência ou a culpa, e uma vez
identificada a culpa, o réu é condenado a uma pena. E São Paulo nos ensina:
“Avaliai tudo e ficai com o que é bom” (interpreta-se como ideias, pensamentos,
doutrinas). Aplicando-se essas santas orientações aos nossos relacionamentos,
vamos concluir que podemos avaliar o posicionamento moral de algum conhecido,
amigo ou parente e acolhê-lo (o posicionamento) ou rejeitá-lo, mas não a pessoa;
e não poderemos “julgar” o comportamento da pessoa, no sentido de “inocentá-la”
ou “condená-la”. No caso em foco, afastarmo-nos de um conhecido, amigo ou
parente em função de seu posicionamento político eleitoral (mesmo que moralmente
condenável do nosso ponto de vista) equivale a julgá-lo e a condená-lo ao nosso
afastamento dele. E é esse um gesto cristão? Jesus aprovaria tal gesto? Como
nos podemos considerar cristãos e condenar o outro como não cristão (pelo seu
apoio a valores não cristãos) se nós, igualmente, não estamos seguindo a
orientação do próprio Cristo: “Não julgueis...”? Mereceríamos de nosso Senhor
Jesus Cristo o mesmo xingamento lançado contra os fariseus e doutores da Lei da
sua época: “hipócritas!”. E estaríamos na mesma situação daqueles que por nós
foram “condenados”: hereges, não-cristãos.
5) Imaginemos, agora, o caso de um
pai com alguns filhos. Se um deles revela seu voto em favor do PT e de Lula,
ficará o pai – que é cristão e não concorda com a ideologia e nem com os crimes
do Lula – contra o filho? Expulsá-lo-á de casa? Certamente,
não. Como cristãos e como pais, procuraríamos manter a convivência familiar,
amorosa e afetiva, embora condenando a “escolha” política do filho. Igualmente,
aplicando-se ao caso de irmãos, ainda jovens e morando na mesma casa: se um
deles declara seu voto em Lula (e o apoio a tudo o que ele representa), os
demais (com posição política oposta) o expulsarão de casa? Ou, mais uma vez,
terão compreensão e o respeitarão em sua posição, mas condenando-a? E,
finamente, considerando-se agora os irmãos já casados, cada um em sua casa, mas
ainda relacionando-se como irmãos que se amam, a descoberta do voto de algum
deles num partido não-cristão (como o de Lula) fará com que os demais irmãos se
afastem definitivamente desse irmão que votou contrariamente ao seu posicionamento
cristão? Não haverá mais relacionamento, visitas, convivência fraterna? Será
ele condenado a não ter mais a presença dos irmãos? Esses irmãos estariam sendo
cristãos de verdade? Certamente que não, como já vimos acima. A solução cristã,
então, é a convivência no amor, na fraternidade, e em tudo o que une os irmãos,
mas sem tocar na questão política, que será fonte de divisão. Quem sabe, com o
tempo, não haja a conversão do irmão? Ou não. A vida é assim.
Uilso Aragono. (Março, 2023.)
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