A
Quaresma é um período de quarenta dias em que os católicos são
incentivados e orientados pela Igreja a fazerem, com mais dedicação,
três exercícios espirituais – esmola, jejum e oração – em
preparação à grande festa da Páscoa cristã.
ORIGEM DA
QUARESMA
Esse
tempo propício à conversão e à penitência é baseado no número
quarenta por estar este número associado a alguns eventos muito
significativos na história sagrada. O povo hebreu, guiado por
Moisés, passou quarenta anos em peregrinação no deserto, em
direção e de volta à terra prometida. Moisés ficou quarenta dias
e quarenta noites no monte Sinai, quando então, recebeu as tábuas
da Lei diretamente das mãos de Deus. Jesus passou quarenta dias e
quarenta noites no deserto, como experiência espiritual na sua
preparação para o início da sua vida pública, tendo sido tentado
pelo diabo no momento em que sentia fome e sede. Outros eventos
ligados ao número quarenta ainda existem e podem ser conferidos na
Bíblia. Particularmente esse período de quarenta dias de Jesus no
deserto, com significado de retiro espiritual, com muito jejum e
oração, pode ser considerado como a origem litúrgica da Quaresma.
ORIGEM DA
PÁSCOA
Os
hebreus, depois que retornaram à terra prometida, a Palestina,
começaram a celebrar a grande festa da Páscoa, que significa
“passagem”: da vida de opressão e morte no Egito à vida de
liberdade na sua própria terra. Eles escolheram o início do ano no
seu calendário lunar, que coincide, também, com o início da
primavera no hemisfério norte, o que correspondia ao dia 14 do mês
de Nissan. Esse dia corresponde, também, ao chamado equinócio da
primavera, quando o dia, que durava menos do que a noite durante o
inverno, agora igualava a noite e, a partir de então, cresceria até
tornar-se bem maior que a noite, durante o verão. Ora, este
simbolismo remetia à consciência de que as trevas foram superadas
pela luz, que a vida em liberdade vencera a morte na escravidão do
Egito. Nesse dia, ainda, ocorria, sempre, a Lua cheia, já que o
calendário hebraico era e continua a ser um calendário lunar, isto
é, cada mês é de 28 dias, correspondente aos 28 dias de rotação
da Lua em torno da Terra. O dia 14 de Nissan era, portanto, pleno de
significado religioso para o povo hebreu, que a partir desse dia
comemorava aquela importante festa da Páscoa, num período de Lua
cheia e luminosidade noturna bem maior que noutros dias, e com dias
cada vez mais longos que as noites.
Os
católicos, tendo em vista todo o simbolismo e toda a tradição do
povo hebreu na celebração de sua Páscoa, aproveitaram esse mesmo
simbolismo para aplicá-lo à Páscoa cristã. Afinal, à semelhança
da Páscoa judaica, a ressurreição de Jesus marca para nós a
Páscoa cristã, isto é, a passagem de Jesus da escravidão da morte
para a liberdade da vida gloriosa, tendo a morte sido definitivamente
derrotada pela Sua ressurreição.
DATA
MÓVEL PARA A PÁSCOA
O
aproveitamento da data dos hebreus (14 de Nissan) não era viável,
visto que o calendário ocidental é solar e não seria possível,
portanto, ter-se um dia fixo para a Páscoa cristã. No entanto, o
período simbólico do equinócio da primavera, quando o dia
iguala-se à noite e começa a tornar-se gradativamente maior que
esta, foi aproveitado e a Lua cheia passou a ser uma referência
importante para a determinação do dia do domingo da Páscoa. Este
ficou determinado como sendo o primeiro domingo logo depois da
primeira Lua cheia do início da primavera no hemisfério norte (ou
do outono no hemisfério sul), ou o próprio domingo, se a primeira
Lua cheia caísse num domingo.
Já tendo
o domingo como o Dia do Senhor, isto é, todo domingo é,
teologicamente falando, o domingo da ressurreição, a Igreja houve
por bem determinar a Quaresma – período que precede o domingo da
Páscoa – como sendo constituída pelos quarenta dias anteriores,
mas sem contar os domingos. Estes, por si só, são sempre domingos
de alegria e festa: domingos de ressurreição. Ora, seis semanas
antes do domingo da Páscoa, sem contar os domingos, dão trinta e
seis dias, contando ainda, para trás, o sábado, a sexta e a quinta,
chega-se à quarta-feira de cinzas, completando-se quarenta dias. O
Carnaval, outra festa móvel, resulta no dia anterior, a terça-feira.
Se este
cálculo procede, então a Quaresma é o período de quarenta dias
(sem contar os domingos) que vai da quarta-feira de cinzas até o
sábado de aleluia, o dia anterior ao domingo da Páscoa. Portanto,
argumentos que dizem que a Quaresma termina ou no domingo de ramos ou
na quinta-feira santa, não fazem sentido.
PARA BEM
VIVER A QUARESMA
Quando a
Igreja propõe aos seus fiéis um período mais propício a um retiro
espiritual, marcado por jejum, oração e esmola, não está tanto
querendo colocar ênfase no sofrimento como meio de purificação e
perdão de pecados. Está, sim, mais preocupada com o fato de que os
cristãos precisam, dada a própria condição humana – marcada
pelo sofrimento nas várias dimensões da vida – exercitar a
solidariedade com aqueles irmãos mais sofridos em nossa sociedade.
Pelo jejum, o cristão se volta para si mesmo, buscando o seu
autodomínio; pela oração, ele se volta humildemente para seu Deus;
pela esmola, o cristão se volta para o seu semelhante, para o seu
próximo, num exercício mais prático de solidariedade e partilha. A
Igreja acredita que tais exercícios têm muito a contribuir para o
crescimento espiritual dos fiéis. E este crescimento terá como
consequências a santificação da própria Igreja e, por seu
intermédio, a santificação do mundo.
Os fieis,
para bem viverem esse riquíssimo retiro quaresmal, devem conscientizar-se de que os exercícios propostos valem a pena e não
devem ser vividos somente durante a Quaresma, mas, especialmente,
nesse período. Os exercícios quaresmais devem fortalecer os
cristãos para os desafios da própria vida cristã ao longo de todo
o ano, não se limitando apenas ao período da Quaresma. Esse
período litúrgico, finalmente, visa a colocar o cristão, uma vez
por ano, em sintonia fina com o seu Mestre, Senhor e Salvador, Jesus
Cristo, especialmente naquilo em que consistiu sua Missão: a
redenção dos pecados pela sua paixão, sua morte e sua gloriosa
ressurreição.
Uilso Aragono, março/2012
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