O artigo abaixo busca fazer uma reflexão sobre o verdadeiro espírito ecumênico, que deveria presidir as relações respeitosas e amorosas entre todos os que se dizem e acreditam "cristãos".
Ecumenismo é um esforço sincero de aproximação mútua que deve dirigir todos os gestos e atitudes de um cristão autêntico. Envolve princípios baseados na tolerância e no amor, no respeito e na valorização das diferentes formas de viver a fé cristã, sinceramente professada.
O espírito ecumênico não deveria, portanto, “protestantizar” a fé católica e nem “catolicizar” a fé protestante. Uns não deveriam “escandalizar-se” diante da fé professada e vivida pelos outros. Na base do espírito ecumênico está a certeza de que mais vale esforçarmo-nos, como cristãos, para vivermos e propagarmos a fé em Cristo diante do mundo, para sua salvação e santificação, do que tentarmos uma talvez impossivel unificação de formas de vivenciar a fé.
Com base em tais premissas, podem ser explicitadas algumas práticas que, embora aparentemente contribuam para uma vivência mais “ecumênica” entre as diferentes igrejas cristãs, na verdade acabam por empobrecer ou distorcer a autêntica forma de vivência cristã desta ou daquela igreja. Igreja aqui entendida como a reunião de cristãos sob uma mesma maneira particular de entender e vivenciar a fé cristã, incluídas a Igreja católica e as variadas denominações evangélicas.
Inicialmente, utilizar-se o termo “escândalo” para justificar-se alguma alteração na maneira própria ou tradicional de viver-se a fé não parece muito apropriado, pois chocar-se-ía com a idéia básica da tolerância entre aqueles cristãos que visam, com sinceridade, a abraçar uma forma ecumênica de vivência cristã. Ora, quem vive o espírito da tolerância, deve ser capaz de aceitar, e até acolher, sem quaisquer estranhezas, formas diferentes de comportamento cristão, público ou particular. Não deveria escandalizar um evangélico o fato de que um católico ajoelhe-se diante de uma imagem de Maria, mesmo que ele (o evangélico) não partilhe de tal maneira de vivência cristã; mesmo que ele possa considerar tal gesto uma atitude condenável de “adoração”. O escândalo não se justifica porque um e outro aprenderam, ou formaram-se em “escolas cristãs” diferentes, embora ambos busquem, com sinceridade, cada um à sua maneira, o crescimento na própria fé, a santificação pessoal e do mundo.
Outros exemplos serão dados, a seguir, para melhor caracterizar esta importante faceta do ecumenismo, para que todos os cristãos, independentemente das variadas formas de seguimento doutrinário ou de vivências concretas, possam dar ao mundo, testemunho eficaz e verdadeiro de amor a Deus e ao próximo, para que se realizem as palavras do Divino Mestre: “... para que eles, vendo que vocês se amam, sejam atraídos à sua fé”.
Os católicos não deveriam escandalizar-se, diante dos evangélicos que não batizam crianças! Estes têm justificativas teológicas e doutrinárias para tal procedimento... Já os evangélicos não deveriam estranhar a adoração eucarística dos católicos, pois o mesmo acontece em termos doutrinários!
Até o ano 1500 da era cristã os cristãos eram todos católicos e aceitavam a Bíblia cristã como constituída por 73 livros sagrados. Os evangélicos, a partir da Reforma Luterana, lentamente, com o processo de sua reflexão doutrinária e teológica, decidiram aceitar apenas 66 livros, rejeitando os restantes 7 livros como não sendo autêntica Palavra de Deus. Tal fato, diferentemente de atitudes antigas, não deveria provocar os ânimos dos católicos, e nem vice-versa, já que sob os auspícios de um novo espírito ecumênico, tais diferenças serão absorvidas com maturidade, respeito e tolerância entre todos aqueles que, apesar das diferenças e contrariedades das doutrinas seguidas, ainda se dizem cristãos.
Por que escandalizar-se diante do fato de que os sacerdotes católicos devem optar pela vida celibatária (ou vida indivisa), não podendo casar-se? Se os pastores evangélicos, de acordo com a sua maneira de crer e viver a fé cristã, podem casar-se sem prejuízo de suas funções de líderes de sua igreja, por que estrahar tal fato? Devem os católicos escandalizarem-se diante do fato de um evangélico ou não-cristão passar diante do Cristo eucarístico e não o adorarem? Para aqueles, o Cristo está verdadeiramente presente no pão eucarístico, é o Sacramento mais Sublime de sua maneira de viver a fé, o que os leva a ajoelharem-se diante da hóstia consagrada e adorarem o seu Deus! Para os evangélicos, a ceia do Senhor é apenas um símbolo que evoca a presença divina e o compromisso, diante de Deus, de amar em Cristo Jesus. As diferenças de modos de crer, associadas a pensamentos teológicos diversos, faz com que uns e outros tenham comportamentos religiosos também diferenciados. Ora, o espírito ecumênico deve guiar a todos em direção a uma convivência harmoniosa, baseada no respeito, na tolerância e no amor recíproco.
Um outro exemplo de diferença comportamental entre os cristãos das diferentes igrejas é a maneira com que se relacionam com Maria, a Mãe de Jesus. Uns a têm como a Mãe de Deus, “bendita entre todas as mulheres”, digna de toda a veneração, admiração e amor; como aquela que é a “porta da salvação”, e por isso, merecedora de toda a consideração, cuja história e tradição os ensinam a pedir sua intercessão junto a Seu Filho. Outros a consideram uma simples mulher, como todas as outras, apenas agraciada pelo dom de ser escolhida para Mãe do Salvador. Tais diferenças de percepção da importância de Maria na vida do cristão, o fará ter comportamentos bem distintos. O espírito ecumênico deverá fazê-los entenderem-se, respeitarem-se mutuamente, de tal forma que uns e outros não se condenem, mas aceitem tais diferenças, que somente Deus poderá julgar.
Muitas outras diferenças comportamentais existem entre os cristãos das diferentes igrejas, advindas de suas diferentes formas de interpretar e viver a sua fé. O importante, dentro de um moderno espírito ecumênico, é a aceitação do fato de que todos se consideram cristãos e querem, com sinceridade, caminhar nos caminhos do Senhor, sendo todos, a seu modo, testemunhas de Jesus, compromissados a levarem Sua Mensagem “até os confins do mundo”.
Atitudes ou comportamentos tendentes a “evangelizar” a fé católica ou a “catolicizar” a fé protestante não estão, portanto, de acordo com o espírito ecumênico. Encontram-se, ao contrário, em rotas de colisão com tudo aquilo que busca o verdadeiro ecumenismo: maiores e efetivas tolerância e amor entre os cristãos de diferentes igrejas “para que o mundo creia”!
(Uilso Aragono - setembro de 2010)
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