Não existe falácia maior do que a
que se encontra em nossa Constituição: “Todos são iguais perante a Lei”. Na
verdade, e na prática, a Lei trata a todos como desiguais. E isto é muito bom,
porque é a verdade: todos somos diferentes, desiguais, e, por consequência,
tratar os desiguais por uma forma única – a Lei – seria uma grande injustiça.
De fato, todos os seres humanos
totalmente são diferentes uns dos outros. Somos diferentes no sexo, na idade,
na raça, na cor da pele, na profissão, na cultura, na classe social, na função
social, etc. E a Lei, isto é, o conjunto das leis que regem as relações
pessoais e sociais em nossa sociedade reflete isto. A Lei nos trata de forma
diferente e a sociedade, em suas leis não escritas, também.
De onde vem esta ideia de
escrever na Constituição algo tão falso? Possivelmente seja uma contaminação
vinda dos ideais do Iluminismo francês, da revolução francesa, que tinha como
lema: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
A liberdade e a fraternidade são, de fato, algo por que se deve lutar sempre:
todos queremos e merecemos a liberdade e devemos viver como irmãos, isto é, em
fraternidade. Mas a proposta de “igualdade” entrou nesse lema como um estranho
no ninho. A proposta, aparentemente, é boa, mas contraria a mais pura
realidade, pois todos somos diferentes, e, no fundo, gostaríamos de ser
tratados de acordo com as nossas características pessoais próprias e que são
diferentes das dos demais.
A Lei nos discrimina –
positivamente, em geral – no tocante ao sexo, à idade, à idade, à profissão, e
à função social, para citar apenas alguns aspectos em que somos diferentes. Como
exemplos, sejam citados:
·
Banheiros masculinos e femininos: um homem que
tente entrar num banheiro feminino incorrerá num ato, no mínimo, classificado
como atentado ao pudor, um ato criminoso! – Mas,
todos não “são iguais perante a Lei”? ...
·
Os idosos (pessoas acima de 60 anos) são segregados,
em relação aos demais cidadãos, no sentido de que têm alguns direitos que os
demais não têm. As crianças e os adolescentes, mesmo cometendo crimes, não são
considerados criminosos e não se lhes imputam penas nem prisão: são, tão
somente, “apreendidos”. – Mas, todos não “são
iguais perante a Lei”? ...
·
Os professores têm 45 dias de férias, enquanto outros
segmentos profissionais, em sua maioria, têm apenas 30 dias. Os políticos têm
aposentadorias precoces, em poucos mandatos, enquanto a maioria tem de
trabalhar pelo menos por 35 anos. – Mas,
todos não “são iguais perante a Lei”? ...
·
Os deputados e senadores têm “foro privilegiado”,
somente podendo ser processados no Superior Tribunal Federal (STF). – Mas, todos não “são iguais perante a Lei”? ...
Vamos aprofundar a questão
relativa à desigualdade intrínseca entre os cidadãos de qualquer país, de
qualquer sociedade. Na verdade, cada ser humano, tendo em vista sua origem
racial, social, familiar, política, e outras, é diferente dos demais. Mesmo
dentro de uma mesma família, cada irmão é bem diferente dos demais. Nem os
gêmeos univitelinos, isto é, os gêmeos idênticos são iguais. Não há, e nunca
haverá, “clones” humanos. Cada ser humano se faz, se constrói, como cidadão, como
pessoa adulta, de acordo com múltiplos e variados condicionamentos, quais
sejam: genéticos, econômicos e culturais. Sem citar os condicionamentos
circunstanciais, idiossincráticos, que somente afetam àquele indivíduo, que
apresentará respostas únicas a tais estímulos ou condicionamentos. Por exemplo,
duas pessoas que tenham nascido com uma igual e marcante necessidade especial,
poderão responder a essa situação de maneiras totalmente diversas, tendo em
vista os outros condicionantes.
Se somos diferentes, é natural
que queiramos ser tratados de acordo com as características que nos marcam,
sejam positivas, sejam negativas.
·
Se a Lei tratasse os idosos da mesma forma que
trata os adultos não idosos, aqueles se sentiriam injustiçados.
·
Se a Lei tratasse as mulheres trabalhadoras, que
acabaram de dar à luz, da mesma forma que trata os demais trabalhadores, aquelas
se sentiriam injustiçadas.
·
Se a Lei tratasse as crianças, que ainda não têm
a maturidade de um adulto, como se adultos fossem, aquelas se sentiriam e
seriam, de fato, muito injustiçadas.
·
Se os índios fossem tratados pela Lei
brasileira, da mesma forma que os demais cidadãos brasileiros não índios, aqueles
se sentiriam injustiçados, e com toda a razão!
·
Se um doente mental que tenha cometido um crime
fosse tratado como qualquer cidadão que tenha suas plenas capacidades mentais,
aquele estaria sendo totalmente injustiçado!
Agradeçamos aos Céus que aquela seja
uma verdadeira “letra morta” na nossa Constituição! Na verdade, “Todos são desiguais perante a Lei”. Esta deveria
ser a expressão constante de nossa Carta Magna. Porque ao reconhecer que todos
são diferentes, todos seriam tratados de acordo com suas características
próprias e com respeito às diferenças que os marcam em relação a todos os
demais cidadãos.
Até o STF já reconheceu que as denominadas
ações positivas são legítimas e não atentam contra a Constituição. Pois, mesmo
que lá exista a expressão “todos são iguais perante a Lei”, os magistrados
foram inteligentes em perceber que é uma frase vazia, e que se fossem fazer
valer tal frase as maiores injustiças seriam cometidas e tantas outras medidas
justas seriam impossibilitadas.
Que a Sociedade continue a
ignorar a falácia da expressão vazia de nossa Constituição, tão decantada por
muitos e por muito tempo, e que continue a reconhecer as diferenças entre os
cidadãos. Pois somos iguais, apenas nisto: somos todos seres humanos, com
direitos fundamentais à vida, à saúde, à educação, ao trabalho e à proteção do
Estado. Somos todos iguais, sim, mas tão somente no que tange à nossa dignidade
de pessoa humana!
Uilso Aragono. (Novembro, 2014)
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