Um motorista que, dirigindo numa
rodovia, desrespeite a velocidade máxima ou desrespeite a sinalização de
ultrapassagem proibida e acabe causando a morte de outro motorista, ou de uma
família inteira, em decorrência dessa irresponsabilidade, terá “sofrido um
acidente” ou “cometido um crime”?
Nossas autoridades e nossos legisladores precisam ter em
conta esta questão. Há necessidade urgente de que tal reflexão seja aprofundada
sob todos os pontos de vista para que se chegue a uma resposta condizente com o
razoável, com a ética e com o espírito de justiça.
No meu ponto de vista, após a
reflexão que já me propus e fazer (e que já rendeu m texto neste meu blogue), não há dúvidas: a situação que
abre este texto caracteriza não um simples acidente, mas um verdadeiro crime de
trânsito. Ou, talvez, um “acidente criminoso”! Senão, vejamos os argumentos a
seguir.
ALGUNS ARGUMENTOS
Segundo o dicionário Houaiss, a definição de acidente pode ser: 1. acontecimento casual fortuito,
inesperado; ocorrência 2. qualquer acontecimento desagradável ou infeliz, que
envolva dano, perda, sofrimento ou morte. Não há dúvidas de que a batida
frontal de dois carros ou de um caminhão e um carro resulte em acidente,
conforme essas definições. Portanto, um acidente, de fato, caracteriza o episódio
acima. No entanto, a definição de número um (1) supõe “acontecimento fortuito”,
o que não é o caso de um acidente fruto de imprudência e irresponsabilidade:
neste caso, o motorista tinha consciência de que estivesse em alta velocidade
ou ultrapassando em local impróprio e que um acidente poderia acontecer. No
fundo, ele fica preocupado com a “roleta russa” que está jogando. Sabe que ao
ultrapassar em local proibido – portanto, com pouca visibilidade da vinda de outro
carro na direção contrária – está jogando com a sorte; está arriscando a própria
vida e a de outros! Insisto: é um acidente. Mas um acidente criminoso! Porque o
motorista sabia que, ao arriscar-se perigosamente, colocava em risco outros
motoristas, outros cidadãos inocentes, que poderiam, caso ocorresse o acidente,
morrer sem qualquer possibilidade de defesa...
Um
segundo argumento baseia-se no fato de que, antes da ocorrência do “acontecimento
desagradável, infeliz, com perdas, sofrimento ou morte” (acidente, sentido 2 do
Houaiss), o motorista que desrespeitava a velocidade máxima, ou abusava da
sorte por ultrapassagem em local perigoso e, portanto, proibido, já estava na
ilegalidade; já estava cometendo um crime por desrespeito às leis de trânsito.
E estas, todos sabemos, existem para garantir a segurança de todos os
motoristas, de todos os condutores de veículos automotores. Crime, conforme o
Houaiss é: 1. transgressão imputável da
lei penal por dolo ou culpa, ação ou omissão; delito.
CONSCIENTIZAÇÃO NECESSÁRIA
Nossos legisladores, nossos juízes, nossas autoridades,
precisam conscientizar-se de que o acidente fatal que tenha sido provocado por
um ato anterior ilegal, já criminoso, tem de ser tratado como “acidente
criminoso” (somente sentido 2, acima), e não um simples acidente. Este, somente
deveria ser aceito como “acidente simples” se, de fato, estivesse associado a
uma fatalidade. Explicando melhor: se o motorista estivesse dirigindo dentro
das leis de trânsito e ocorresse um acidente (nos dois sentidos acima citados),
mesmo com morte resultante, este acidente seria considerado acidente
propriamente dito, fruto de uma fatalidade, e não um “acidente criminoso”, como
deveria ser classificado o exemplo anterior.
CRIME CULPOSO OU CRIME DOLOSO
Resumindo os argumentos acima, e associando os conceitos “acidente
criminoso” e “acidente simples”, ocorridos no trânsito, aos conceitos “crime
culposo” e “crime doloso”, deveriam ser feitas as seguintes relações:
Crime
culposo = não se aplica a nenhum “acidente simples” de trânsito.
Crime
doloso = acidente criminoso de trânsito.
A
explicação é simples. No “acidente simples” de trânsito, ocorrem os dois
sentidos da definição de acidente, conforme o Houaiss: ocorre, de fato, um
acontecimento inesperado. Mas não há
crime! Não há desrespeito à Lei. Um exemplo simples pode ser dado. Se um
motorista, na cidade, dirigindo com atenção e dentro da Lei, na velocidade
máxima (40 km/hora, por exemplo), é surpreendido
por uma criança que surge correndo na rua de tal forma que, mesmo tendo freado
com freio ABS, a criança seja atingida e venha a morrer, não se lhe pode
imputar qualquer crime! Terá sido uma verdadeira fatalidade. E a culpa, se
houve, terá sido dos responsáveis pela criança, que a teriam deixado solta na
calçada, com a possibilidade de que invadisse a rua.
Já
no “acidente criminoso” de trânsito, ocorre, sem sombras de dúvidas, o dolo!
Conforme o Houaiss, uma definição de dolo, em termos jurídicos é: em direito penal, a deliberação de violar a
lei, por ação ou omissão, com pleno conhecimento da criminalidade do que se
está fazendo. O motorista que, antes de um acidente de trânsito, esteja em
situação de crime, isto é, “deliberadamente violando a lei”, e venha a provocar
a morte de outro cidadão, terá cometido “dolo”. Afinal, ele terá tido “pleno
conhecimento da criminalidade do que estava fazendo, e, também, das possíveis –
e, até, prováveis! – consequências de sua imprudência, de seu crime! Como não
considerá-lo doloso? Vamos acordar, autoridades do Brasil!...
CONCLUSÃO
Enquanto
nossas autoridades, nossos legisladores, não acordarem para a necessária
distinção entre “acidente criminoso de trânsito” e “acidente simples de
trânsito”, em que, o dolo esteja associado, clara e indelevelmente, ao acidente
criminoso, não teremos uma solução razoável para as tristes estatísticas de
acidentes fatais no trânsito, nas rodovias e nas estradas do Brasil. Os
motoristas precisam receber, com clareza, a mensagem de que fatalidades no
trânsito estarão associadas, tão somente, a acidentes simples. E aos acidentes
criminosos o dolo estará automaticamente associado. Isto levará o motorista potencialmente
imprudente e criminoso, a ter consciência de que será responsabilizado perante
a lei por um crime verdadeira e claramente doloso, e não, simplesmente “culposo”,
como tem sido, infelizmente, a prática de nossas autoridades, jurídicas e
policiais, diante de tais acidentes criminosos!
Uilso Aragono. Abril
de 2015.