sábado, 31 de agosto de 2013

DESRESPEITO À LEI E CRIME NO TRÂNSITO

Assistir a mortes e mais mortes no trânsito e ter de aceitar que sejam caracterizadas por nossas autoridades como, simplesmente, “acidentes” de trânsito, são coisas que revoltam a todos, especialmente aos parentes das vítimas. Mas será que tais acidentes de trânsito, que mutilam ou matam tantos cidadãos em nossas sociedades, ditas “civilizadas”, são, realmente, acidentes?... Ou poderiam ser, com muita propriedade, caracterizados como crimes? Esta questão da criminalização de graves acidentes de trânsito, com vítimas fatais, é nossa reflexão de hoje.

Acredito que a distinção que o Direito faz entre crime culposo (aquele em que o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia) e crime doloso (aquele em que o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo) seja a raiz de tanta impunidade. Pois qualquer pessoa mentalmente sã haverá de reconhecer que um motorista dirigindo, em via pública, um veículo – que pode pesar cerca de 800 quilos – de forma imprudente, negligente ou com imperícia estará, necessariamente, “assumindo” o risco de um acidente sério, e com consequências fatais ou mutiladoras. Esta distinção infeliz tem levado nossos delegados e juízes, costumeira e repetidamente, a associarem tais acidentes a “crimes culposos”, isto é, na prática, simples “acidentes” de trânsito.  Enquanto esta realidade legal não for alterada, a impunidade estará garantida, e, por consequência, toda a série de frustração, indignação, sofrimento e perdas de vidas tão preciosas.

Mas, talvez, haja uma luz no fim do túnel dessa história tão triste que são os milhares de mortes no trânsito a cada dia. A luz, além da superação da infeliz distinção apontada acima, pode ser o simples reconhecimento de que o respeito às leis no trânsito seja o fundamento para que um acidente não seja considerado um crime. Havendo, por outro lado, qualquer desrespeito às leis em um grave acidente no trânsito, tal evento será considerado, sem qualquer dúvida, um crime doloso, isto é, o motorista terá assumido o risco de matar ou mutilar a vítima.

O raciocínio por trás da proposta acima é o seguinte: as leis existem para disciplinar o trânsito e seus agentes (motoristas, pedestres, ciclistas, motociclistas, etc.), e para evitar que acidentes graves aconteçam. Em resumo, a proposta pode ser muito simplesmente enunciada: acidente grave tendo ocorrido junto com desrespeito às leis do trânsito é crime doloso; se ocorreu dentro de um quadro de respeito às leis, é, simplesmente, um acidente ou uma fatalidade. Afinal, crime (delito, ou transgressão) é qualquer violação grave de lei moral, civil ou religiosa. Para haver crime tem de haver violação ou desrespeito à legislação.

Alguns exemplos podem esclarecer. Se um motorista, trafegando em velocidade de 40 km/h, numa via pública cuja velocidade máxima seja, exatamente, 40 km/h, é surpreendido por um cidadão que atravessa a rua, distraído, e o atropela, isto será considerado um acidente. E mesmo que a vítima venha a óbito, não terá havido crime, pois não houve qualquer infração à legislação. Já se esse mesmo motorista, nessa mesma via pública, estiver desenvolvendo 60 km/h e atropela um pedestre distraído que invade a rua, isto poderá ser caracterizado como crime – e doloso! –, pois terá havido desrespeito à legislação de trânsito, à velocidade máxima!

Se uma abordagem como essa fosse aplicada aos milhares de acidentes com vítimas fatais, a impunidade, certamente, estaria em queda livre, pois todos esses “acidentes” seriam identificados como verdadeiros “crimes dolosos”, em que os motoristas, pelo fato de terem desrespeitado a legislação de trânsito, teriam, de fato, assumido o risco de causar tais infortúnios. Os desrespeitos às leis de trânsito mais comuns, e associados a tantos e tantos acidentes fatais, podem ser listados: bebida alcoólica, excesso de velocidade, ultrapassagem em local proibido e falta de habilitação. Se houve vítima fatal ou acidente grave, em eventos ligados a tais violações legais, não poderia haver dúvida quanto à responsabilidade criminal e dolosa de tais motoristas.


Não tenho certeza absoluta de estar certo em relação a esta minha reflexão, em que associo o desrespeito à legislação de trânsito a crimes dolosos. Mas se delegados e juízes não encontrarem razões fortes para desqualificarem o raciocínio exposto, teremos, todos, encontrado uma fórmula para que a tragédia de acidentes de trânsito, fatais e mutiladores, possa chegar ao seu fim. E a impunidade, também. Assim espero.

Uilso Aragono  (agosto/2013) 

Quem sou eu

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Sou formado em Engenharia Elétrica, com mestrado e doutorado na Univ. Federal de Santa Catarina e Prof. Titular, aposentado, na Univ. Fed. do Espírito Santo (UFES). Tenho formação, também, em Filosofia, Teologia, Educação, Língua Internacional (Esperanto), Oratória e comunicação. Meu currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787185A8

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